25 de Setembro de 2023

Energia Sustentável e a Construção de Pontes entre Países Africanos Lusófonos: Moçambique como País de Destaque

A Presidente da ALER, Mayra Pereira, escreve numa crónica para o jornal moçambicano “Diário Económico” sobre a importância do acesso à energia nos países africanos lusófonos, destacando a necessidade de cooperação e de troca de conhecimentos no sector energético, para que, entre si, cada país encontre as suas soluções sustentáveis e alcance a desejada transição energética.

 

Transcrição da crónica:

“Os “Meninos do Huambo”, obra do escritor angolano Manuel Rui Monteiro, também conhecida pela descrição dos “meninos à volta da fogueira”, marcou a minha infância e a de muitas crianças africanas falantes da língua portuguesa espalhadas pelo mundo. Não sei ao certo se esta música chegou ou se ainda chega aos ouvidos de milhões de crianças que, até hoje, não o têm acesso a energia, mas o que é certo é que não terão parado de sonhar com uma vida melhor.

 

A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o desafio global de assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos. Entre irmãos de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), em que a biomassa lenhosa ainda é uma das principais fontes de energia, fica sempre a questão: como garantir energia de forma que inspire novas histórias de esperança e progresso?


No cenário actual, Moçambique, Angola e Guiné-Bissau  enfrentam taxas de electrificação abaixo dos 60%, mas este contexto é diferente noutros países, como Cabo Verde e São Tomé. Talvez pela sua pequena dimensão, apresentam, a nível de acesso, taxas de electrificação acima de 90% e 70%, respectivamente. Estes feitos destacam o potencial de acesso à energia que o continente africano falante de português pode alcançar e abre portas para considerações sobre o desenvolvimento de várias opções a nível da transição energética.

 

Em busca de um mundo mais inclusivo, a grande maioria das nações do Mundo abraçou a nobre missão de não deixar ninguém para trás. Embora distantes, os PALOP encontram-se unidos por uma língua que poderá ser a chave para abrir portas e construir pontes entre culturas e tradições diversas. A união de forças é essencial para alcançar este objectivo, principalmente quando toda a envolvente do sector energético internacional é feita noutro idioma.

 

A Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) tem exercido um papel fundamental no desenvolvimento e promoção de energias renováveis nos PALOP, junto dos sectors público e privado, criando plataformas de cooperação com os vários stakeholders e funcionando como uma voz comum, para melhorar o ambiente de negócios e potenciar os benefícios socioeconómicos das energias renováveis. Os PALOP têm muito a ganhar ao colaborar e partilhar conhecimentos no sector energético. Cabo Verde, que teve muito sucesso no acesso à energia, pode compartilhar as suas experiências, lições aprendidas e melhores práticas.

 

Acções de intercâmbio institucional Angola-Moçambique no âmbito das energias renováveis têm vindo a ser desenvolvidas de forma que explorem potenciais sinergias e troca de conhecimento. São Tomé e Príncipe tem apostado e pretende intensificar esta aposta aproveitando o potencial renovável, a fim de gerar energia com mais qualidade e, sobretudo, para atender à necessidade de redução da actual fonte primária de energia eléctrica no país, o gasóleo.

 

Moçambique pode ser um importante contribuidor para a colaboração entre os países lusófonos no sector energético renovável fora da rede.

 

Nos últimos anos, a realidade vivida na Guiné-Bissau, Timor-Leste e Guiné Equatorial no que toca ao estado da rede eléctrica gera oportunidades para o design de um conjunto de soluções inovadoras e adaptadas às necessidades específicas de cada país. Brasil e Portugal apresentam uma vasta experiência em energias renováveis e podem oferecer valiosos insights na implementação de projectos sustentáveis.

 

Como país de destaque, Moçambique pode ser um importante contribuidor para a colaboração entre os PALOP no sector energético renovável fora da rede. O sector público tem demonstrado um compromisso significativo perante a concretização da Agenda 2030.

 

Com a Nova Lei de Electricidade, alinhada com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Governo moçambicano demonstra o seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e o acesso à energia para todos. Além disso, o regulamento de acesso à energia em zonas fora da rede e os demais regulamentos complementares proporcionam um arcabouço regulatório sólido para garantir a efectiva implementação das normas estabelecidas.

 

A disponibilidade de 282 milhões de euros de financiamento vindos dos parceiros de cooperação, conforme apresentado no resumo “Renováveis em Moçambique 2022”, dos quais aproximadamente 180 milhões de euros são para o mercado fora da rede, é uma oportunidade significativa para impulsionar o uso de energias renováveis em áreas remotas e carenciadas de acesso à electricidade. Esses recursos podem ser utilizados para desenvolver projectos sustentáveis e inovadores, promovendo o crescimento económico e a melhoria da qualidade de vida das comunidades.

 

A Associação Moçambicana de Energias Renováveis (AMER) é uma associação sem fins lucrativos que tem como missão promover as energias renováveis em Moçambique. A AMER conta com mais de 100 membros, sinal de que há um interesse significativo e apoio por parte de empresas, organizações e indivíduos em promover e desenvolver soluções energéticas sustentáveis no País. A associação tem a oportunidade de criar parcerias estratégicas, partilhar conhecimento, promover a consciencialização e a adopção de energias renováveis, além de trabalhar em conjunto com o sector público para superar os desafios enfrentados pelo sector.

 

O fortalecimento da nossa identidade compartilhada constitui um pilar fundamental para a cooperação entre os PALOP.

 

Em África, costumamos dizer: “se quer ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá acompanhado”. Assim como tantos abraçaram os “Meninos do Huambo” como símbolo próprio, temos menos de sete anos para garantir que os meninos e meninas espalhados pela África lusófona tenham acesso a energia de qualidade e sustentável. Juntos, poderemos encontrar soluções para trilhar um caminho progressivamente mais sustentável em todo o mundo que fala a língua portuguesa, deixando uma herança e uma marca inspiradora para as gerações futuras.”

 

Fonte: Diário Económico