31 de Março de 2020

Igualdade como Acelerador do Acesso Universal à Energia

Vivemos tempos desafiadores a todos os níveis.

Quantos de nós, temos acesso a energia no nosso dia-a-dia?

  • De forma constante e fiável, sem interrupções ou oscilações?
  • Com preços acessíveis?
  • Com recurso a formas sustentáveis?

Pode não parecer, mas estas são perguntas bastante difíceis de responder. Principalmente se fossem feitas, por exemplo, numa zona rural remota do nosso país, Moçambique, ou mesmo nas franjas dos bairros que circundam o nosso Maputo.

E é por isso que é urgente agir e inspirar todos, homens e mulheres, a contribuir activamente para que todos os cidadãos Moçambicanos, homens, mulheres e crianças, possam daqui a uns anos (digamos daqui a uns 10 anos) responder a todas estas perguntas com um SIM.

De facto, não estamos a fazer um grande progresso no que diz respeito a alcançar o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 7 - Acesso Universal à Energia, um dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – ODS 7, aprovados no âmbito da Agenda 2030 por 193 países da Assembleia Geral das Nações Unidas, por ser considerado um instrumento fundamental para:

  • erradicar a pobreza em qualquer das suas formas;
  • proteger o planeta;
  • e assegurar a prosperidade para todos até 2030


De acordo com as projecções de um estudo de 2018 realizado pela United Nations Economic Commission for Africa (UNECA) sobre a realização dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável em África (Policy Brief 18 Achieving SDG In Africa), com base nas políticas existentes será extremamente difícil os países Africanos poderem cumprir com os objectivos subjacentes ao Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 7 – Acesso Universal.


E o facto de não conseguirmos atingir este ODS 7 - AUE para todos tem consequências catastróficas para nós, Moçambicanos, Africanos, e para todo o planeta.

E Porquê?


A energia é uma componente essencial à vida, ela é necessária em todas as nossas actividades e está no coração do desenvolvimento sustentável (supre as necessidades das gerações actuais de forma a não comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações e que faz uma gestão consciente dos recursos de forma a evitar que se esgotem), uma vez que afecta significativamente:

  • a saúde
  • o ambiente
  • a utilização dos solos
  • outros sectores (indústria e serviços), e
  • também as desigualdades entre homens e mulheres.


De facto, se todos, homens e mulheres tiverem acesso à energia, com qualidade, acessível, e com recurso a formas de energia modernas e sustentáveis, haverá:

  • um desenvolvimento sócio-económico transformacional sustentável
  • com a consequente redução nos níveis de pobreza.

As ligações entre os desafios do acesso à energia, desenvolvimento sustentável, com enfâse para a erradicação da pobreza, mudanças climáticas e a igualdade de género têm sido objecto de grande debate no palco internacional.


O modelo perfeito de gestão e governação dos sistemas energéticos a nível global assenta no equilíbrio entre três dimensões, commummente designado “trilema da energia”:

  • acesso universal (a baixo custo);
  • sustentabilidade ambiental; e
  • segurança do fornecimento (1.)


A realidade demonstra que a gestão e a governação dos sistemas energéticos apresenta concepções e características diferentes, consoante nos situemos no contexto dos países centrais ou dos países periféricos.


A título de exemplo, do lado de países como os EUA ou os países da UE, o nível de electrificação e fornecimento de energia rondam os 100%.


A gestão dos recursos energéticos por estar mais ligada à segurança do fornecimento e alterações climáticas, tende a promover a transição para sistemas mais sustentáveis. A questão reside em saber se todos os cidadãos terão a capacidade de pagar serviços energéticos sustentáveis.


Do outro lado do nosso mundo, os países periféricos têm que lidar com outros desafios. Ainda vivemos na escuridão:

  • 62% da população não tem acesso à electricidade;
  • na região da África Sub-Sahariana 80% dependem significativamente da biomassa tradicional sob a forma de lenha, carvão vegetal, estrume animal e resíduos agrícolas;
  • Nas zonas rurais dos países periféricos a falta de acesso à electricidade atinge os 89,3%, e nos países do grupo de África esse valor corresponde a 94,9%;
  • Nas zonas urbanas dos países periféricos o acesso a serviços energéticos modernos e o fornecimento de electricidade é imprevisível;
  • Ao mesmo tempo, as suas populações são vulneráveis aos impactos das alterações climáticas
  • Esta pobreza energética é particularmente pesada para as mulheres e para as meninas, responsáveis pela maioria das tarefas relacionadas com a cozinha, limpeza, lavagem e recolha de água e biomassa, sendo pouco provável que vá à escola.

Moçambique não é uma excepção a esta realidade.


Com um rátio de electrificação extraordinariamente baixo que ronda aproximadamente os 30%, tem, por outro lado, vastos recursos e um enorme potencial em termos de energia renovável que deve ser usada para aumentar o acesso à energia para a população numa base igualitária e não discriminatória.


No entanto, no índice de desempenho de gestão energética ocupa um dos 6 últimos lugares.

A efectiva operacionalização do AUE em Moçambique depende de diferentes aspectos que vão desde:

  • a geopolítica;
  • à posição económica com relação à gestão dos seus recursos naturais e energéticos;
  • a maior ou menor (in)dependência com relação aos mesmos;
  • o conceito filosófico e cultural de justiça;
  • as relações de género.

 

Então como assegurar que todos os MOÇAMBICANOS tenham um acesso à energia em 2030 que seja universal e sustentável? Será uma missão impossível? Eu acredito que Moçambique pode ter um futuro brilhante!

E assim um grupo de mulheres Moçambicanas a trabalhar no sector de energia juntou-se com a vontade de mudar a Narrativa de Moçambique, energizando a igualdade!  E é assim que surge a MWE – Mulheres Moçambicanas na Energia.

É uma realidade que a igualdade e equidade de género e o AUE estão fortemente interligados.  


Na óptica da MWE, alcançar a igualdade/equidade de género no sector de energia é a concretização:

  • de um direito fundamental humano ao desenvolvimento social e económico sustentável
  • do ideal de justiça


Qual de nós não sonha viver numa sociedade justa, solidária, inclusiva onde não há lugar para a pobreza e onde todos somos iguais?

Ora, como é possível atingir o AUE com igualdade/equidade, deixando de fora metade da população: as mulheres?

 

A verdade é que o acesso pelas mulheres à energia e ao sector de energia tem um efeito transformador:

  • as mulheres ficam com mais tempo livre para se dedicarem a outras actividades como a educação
  • melhora o acesso aos locais públicos e abre oportunidades para a realização de actividades e trabalhos remunerados
  • políticas e regimes regulatórios e ambientes de trabalho mais inclusivos e diversificados são mais rentáveis, prósperos e mais conscientes das questões ambientais
  • oferece grandes oportunidades para promover actividades ligadas ao sector de energia na cadeia de valor, como por exemplo, na operação, gestão e manutenção de sistemas energéticos fora da rede. De facto, o tipo de competências necessárias para implementar estes projectos de energia distribuída podem ser desenvolvidos localmente e por mulheres, especialmente tendo em conta o seu papel de utilizadoras primárias de energia e utilizando as suas redes sociais.
  • à medida que as mulheres se envolvem nas acções de fornecimento de soluções de energia, vão assumindo um papel mais activo na sua comunidade, facilitando uma mudança gradual na estrutura social e normas culturais no sentido da adopção de usos mais sustentáveis da energia

 

Acontece que existem uma série de barreiras no sector de energia:

  • Quanto ao acesso

Está provado que as mulheres gastam uma média de 100 horas por ano com a recolha de lenha ou carvão para poderem cozinhar

  • No mercado de trabalho totalmente dominado pelos homens

Estudos revelam que apenas uma média de 30% de mulheres trabalha no sector

  • Em posições de decisão ou liderança

De acordo com um estudo realizado pela E&Y em 2016 apenas 16% de mulheres ocupam cargos de direcção/liderança nas maiores empresas do sector

  • Na educação

Simplesmente por não terem luz para estudar à noite depois das tarefas domésticas ou por não se sentirem encorajadas a estudarem matérias mais técnicas ligadas à energia

 

Como ultrapassar estas barreiras?

A MWE propõe 4 pilares de acção para energizar a igualdade acelerar o AUE: PENSAR (THINK), CONSTRUIR (BUILD), CONECTAR (CONNECT) e LIDERAR (LEAD). 


PENSAR

  • Pesquisa e elaboração de informações desagregados por género para fornecer dados reais sobre a real participação das mulheres no sector
  • Criação de mecanismos/instrumentos que energizem a igualdade e influenciem a tomada de decisões e a sociedade como um todo, designadamente através de políticas e implementação de regimes jurídico-regulatórios mais inclusivos


CONSTRUIR

  • Disseminação e capacitação técnica
  •  apoio ao empreendedorismo e criação de negócios, aproveitando o contexto de implementação dos planos de contéudo local e nacional e acções de responsabilidade social e corporativa para mulheres no sector


CONECTAR

  • Iluminar o trabalho das mulheres Moçambicanas que todos os dias dão a sua energia nas suas casas, no seu trabalho, seja no sector público, privado ou informal
  • Criação de uma plataforma de troca de ideias e de apoio às mulheres no sector da energia
  • Motiva as meninas a escolher a educação STEM para seguir as suas carreiras no sector de energia e do estabelecimento de uma comunidade de apoio às mulheres no sector da energia.


LIDERAR

  • Concepção e implementação de programas de mentoria e liderança desenhados especificamente para mulheres e meninas no sector - Aceleradores de Impacto
  • Parcerias com outras instituições no sentido recorrer à experiência das mulheres Moçambicanas líderes do sector para prestar mentoria e motivar as meninas a escolherem uma educação mais técnica em matérias relacionadas com energia

 

Não temos tempo a perder!

Como costumo dizer aos nossos filhos, nós temos Superpoderes. Vamos usá-los para fazer as mudanças urgentes nas nossas sociedades. Mas vamos fazê-lo Todos Juntos, funcionando como um ecossistema, e procurar na nossa diversidade a força necessária para combater estas disparidades.

Alcançar o acesso à energia e energizar a igualdade é uma questão de justiça, é a luz para sair do túnel da pobreza, para sonharmos e voarmos mais alto e para sermos livres…

Nas palavras do presidente Mandela “Overcoming poverty is not a gesture of charity is the protection of a fundamental human right … the right to dignity and decent life.  While poverty persists there is no true freedom” Mandela

 

1.”Energy Trilemma", commonly defined as the challenge of balancing energy security, energy affordability and environmental sustainability.


Taciana Peão Lopes

Sócia Gerente da TPLA e Co-Fundadora da MWE