31 de Março de 2020

Mulheres na área de energia na CPLP – Ana Monteiro (CV)

No dia 8 de Março comemorou-se o Dia Internacional da Mulher e se apesar de a esta data nos parecer longínquo e a preocupação da pandemia nos ocupar agora a mente não podemos deixar de lembrar outras causas importantes e aproveitar esta oportunidade para pensar, planear e estruturar o que é necessário para melhorar as questões de género na energia e para que assim, quando tudo isto passar e chegar o momento podermos agir de forma concertada e objectiva.

Com esse propósito de pensar a questão das mulheres na área de energia na CPLP questionámos mulheres africanas que trabalham na área da energia para nos dar a sua visão.

Aqui vos deixamos o contributo de experiências diferentes de cabo verde e são Tomé e príncipe, aos quais se somam o contributo de Moçambique relatado no editorial. Agradecemos e louvamos estas mulheres que temos tido o privilégio de acompanhar, às quais se juntam muitas mais e a quem esperamos poder dar voz numa outra oportunidade.

Ana Monteiro é coordenadora do Programa de Energia Sustentável da UNIDO em Cabo Verde, antes do qual esteve à frente do departamento de Ambiente, Responsabilidade Social e Administração da Cabeólica, S.A., a primeira Parceria Público Privada a fornecer energia eólica à escala comercial na África Subsaariana. Com aproximadamente 12 anos de experiência na área de ambiente e energia, participou em vários projectos sustentáveis ​​de electrificação fora da rede e iniciativas relacionadas com as alterações climáticas. Ana formou-se em Ciências e Engenharia Ambiental pela University of Plymouth, Reino Unido, e concluiu um mestrado em Ciência e Política Ambiental na Clark University, EUA.

 

Área de trabalho:

Promoção de energia renovável para a gestão dos recursos hídricos: Energia Renovável; Eficiência Energética; Produção e gestão de água para agricultura e uso doméstico, em particular no sector fora da rede.

 

Quais considera que sejam os principais desafios do sector da energia em Cabo Verde?

Dada a ambição de longa data do Governo de evoluir no sentido da descarbonização do sector da energia, iniciando pelo sector de electricidade, e simultaneamente diminuindo o custo para os consumidores finais, o principal desafio continua a ser o da criação de uma estrutura integrada que permita a maximização da produção estável de energias renováveis e minimização de perdas. A produção de electricidade em Cabo Verde continua altamente dependente da utilização de combustíveis fósseis, que há muito tempo é considerada insustentável e desalinhada com as ambições acima mencionadas, e a cada ano que passa é registada uma diminuição da percentagem de energias renováveis na rede já que a evolução de projectos sustentáveis ​​não está a acompanhar o crescimento da procura.

O Governo ambiciona alcançar o seu objetivo através da implementação de vários planos com a intenção de estimular o investimento contínuo em projectos diversificados de energias renováveis, assim como em soluções técnicas de forma a gerir o aumento dos diferentes tipos de energia intermitente nas dispersas redes de pequena dimensão e ainda investimentos em instrumentos, processos e estruturas que acelerem a promoção de um enquadramento abrangente que possa vir a apoiar esses projectos. Estes planos incluem a combinação certa de incentivos que não sejam demasiado onerosos para o Governo mas que possam estimular a liderança do sector privado para investir em projectos viáveis, dentro e fora da rede, e que beneficiem financeiramente o consumidor final, não deixando de garantir qualidade. Prevê-se que estas iniciativas sejam acompanhadas de esforços que estimulem práticas de eficiência energética na produção e consumo, bem como a operacionalização de uma série de nexos intersectoriais para eficientemente aproveitar todos os benefícios sociais e económicos dessa mudança. Também é necessário transformar o sector de serviços de energias renováveis e eficiência energética num sector que consiga gerar mais empregos enquanto fornece adequadamente os serviços necessários. Finalmente, para atingir esses objectivos com sucesso, um plano de capacitação contínua em diferentes níveis deverá acompanhar os esforços a serem levados a cabo.

Embora seja bastante interessante ver o Governo, em colaboração com os seus parceiros de desenvolvimento, identificar e abordar simultaneamente todos esses aspectos, é um imenso desafio realizar este plano integrado que tem como objectivo encaminhar o país para que altere a forma convencional como vinham a ser abordadas as questões energéticas.

 

Quais considera que sejam as principais conquistas nos últimos anos no sector da energia em Cabo Verde?

Actualmente, as energias renováveis ​​contribuem com aproximadamente 20% do abastecimento da rede de energia eléctrica, o que por si só é um grande feito para o sector e para o país, considerando o objectivo geral da descarbonização. A situação actual foi alcançada graças à implementação de vários projectos de energias renováveis, entre eles o projecto Cabeólica - pioneiro no país e na região devido ao seu tamanho e estrutura inovadora de Parceria Público-Privada (PPP). Estes projectos não aumentaram apenas a capacidade existente e demonstraram a viabilidade das energias renováveis, incluindo a integração de projectos de grande escala em pequenas redes, como também serviram para ganhar experiência em (i) operacionalizar e integrar a energia intermitente na rede; (ii) mobilizar modelos de PPP, abrindo caminho para mecanismos de financiamento e mitigação de risco mais inovadores e personalizados; e (iii) conduzir a reestruturação necessária do enquadramento regulatório.

Além disso, o país desenvolveu um Plano Director, assim como vários instrumentos, para direccionar os seus esforços em eficiência energética e energia sustentável de maneira integrada e holística.

Também, com a ajuda dos parceiros de desenvolvimento, o país criou um Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial (CERMI), que é um parceiro essencial na capacitação do sector e de outros actores relevantes.

De uma forma geral, o sector tem realizado um trabalho impressionante para se organizar, na tentativa de alcançar uma meta bastante desafiadora.

 

Como tem sido a sua experiência como mulher na área da energia?

A minha experiência como mulher dentro da indústria tem sido muito positiva. Tive a sorte de, ao longo da minha carreira, que tem sido sempre associada à energia e à sua ligação com o meio ambiente, trabalhar e ser orientada e apoiada por pessoas experientes e cultas que foram indiferentes ao meu género e que me incentivaram a explorar grandes oportunidades. Isso resultou num percurso pessoal bastante satisfatório.

 

Qual a importância das mulheres no sector de energia em Cabo Verde?

Assim como no caso dos homens, a vida quotidiana das mulheres depende fortemente do sector da energia. Portanto, é um paradoxo que as mulheres não sejam equitativamente representadas num sector que afecta profundamente as suas vidas, ficando assim uma série de opiniões e ideias por ouvir.

Da perspectiva do sector, é evidente que, à medida que o país experiencia um crescimento na procura de energia, particularmente com o seu plano de criar uma diversificação nas fontes energéticas, haverá a necessidade de mais mão-de-obra e competências nos diferentes ramos do sector. Não há razão para que os futuros postos de trabalho sejam preenchidos de uma forma desproporcional com preponderância para um só género, e sim apresentar uma perspectiva para que as mulheres possam beneficiar dessas oportunidades de forma equilibrada. É do interesse de todos que a mão-de-obra dentro do sector da energia seja a mais inclusiva e diversificada  possível, pois isso irá fomentar a inovação e criar um sistema que sirva e beneficie todos.

 

Qual o impacto da energia nas mulheres em Cabo Verde?

Como havia mencionado, a energia é crucial para quase todos os aspectos da vida quotidiana de ambos os géneros, incluindo transporte, preparação e manutenção de alimentos, electrificação de residências e empresas, bombagem ou produção de água para agricultura e uso doméstico, etc. Portanto, assim como no caso dos homens, o acesso à energia desempenha um papel vital no empoderamento das mulheres, facilitando os principais aspectos do crescimento, como educação, rendimento e mobilidade. Além disso, em Cabo Verde, como em outras partes do mundo, a mulher assume a maior percentagem de chefia nas famílias monoparentais, intensificando assim a importância de ter acesso a energia que seja de qualidade e acessível nas suas vidas diárias. Além disso, como em outras partes do mundo, em Cabo Verde as tarefas domésticas são geralmente vistas como responsabilidade das mulheres, e o acesso à energia, particularmente sob a forma de electricidade, pode aliviar essas responsabilidades e criar tempo para um envolvimento mais produtivo e formal na economia local.

 

O que na sua opinião ainda falta para que haja uma maior integração das mulheres no sector?

Tenho visto algumas mudanças interessantes no sector da energia do país, tornando-se mais moderno e interactivo com outros sectores. Penso que isso e o trabalho que está a ser desenvolvido à volta de soluções sustentáveis ​​de energia (que parecem ser mais inclusivas para as mulheres do que a indústria dos combustíveis fósseis), tem sido muito positivo no sentido de induzir uma maior interacção por parte das mulheres. Por exemplo, recentemente vi algumas mulheres a transitarem para o sector de energia e tenho tido contacto com mulheres recém-formadas em programas de formação relacionados com a energia, bem como estagiárias em empresas associadas. No entanto, a dispersão na igualdade de género no sector continua a ser extensa e, é claro, não apenas em Cabo Verde. Apesar de várias outras razões que contribuem para esse cenário, na minha opinião, acredito que isso é um fenómeno principalmente resultante de certas normas sociais que dividem os papéis tradicionais por género, desencorajando as mulheres de seguir carreiras nesta área e redireccionando os seus interesses para outros campos mais tradicionalmente associados às mulheres. Nesse caso, uma abordagem de base precisa ser projectada para atrair o interesse das mulheres em todas as oportunidades apresentadas pelo sector, desde as funções técnicas até às de gestão. Felizmente, mudanças emergentes no sector poderão servir como catalisador.

 

Que conselhos daria para as mulheres que pretendam ingressar nesta área?

Encorajá-las-ia a desconsiderar quaisquer dúvidas que possam ter sobre as suas capacidades e a se envolverem totalmente na área porque as suas contribuições são importantes para o desenvolvimento económico do país.

Leia também a entrevista a Maria Mendes aqui